PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO AMAZONAS COMARCA DE MANAUS

 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO AMAZONAS
 COMARCA DE MANAUS

DECISÃO Versam os autos sobre Mandado de Segurança Coletivo com pedido liminar impetrado por SOCIEDADE DE OFTALMOLOGIA DO AMAZONAS - SOA contra ato supostamente ilegal praticado por NIRVA RODRIGUES DE SIQUEIRA TORRES - GERENTE DO DEPARTAMENTO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DA PREFEITURA DE MANAUS. Em síntese, o Impetrante busca a concessão de liminar para que seja determinada a suspensão do ato administrativo praticado pela autoridade apontada como coatora, qual seja, a determinação de contratação de farmacêuticos para atuarem junto a hospitais e clínicas de pequeno porte. Ainda, pugna pela determinação de que a Impetrada se abstenha de promover qualquer autuação aos associados da Autora que não realizem a contratação e manutenção profissionais farmacêuticos devidamente inscritos no CRF em suas clínicas e consultórios. Instrui o feito com os documentos anexos ao ID 1.2-1.10. Após, vieram-me os autos conclusos. DECIDO. Inicialmente, destaco que conforme certificado ao ID 5.1, a presente ação fora distribuída por suspeita de repetição com o processo n.º 0049071-19.2025.8.04.1000. Em análise aos autos n.º 0049071-19.2025.8.04.1000, constata-se que a mesma foi julgada extinta sem resolução de mérito por este Juízo, em decorrência da homologação da desistência apresentada pela Impetrante. Ainda, verifico a identidade dos pedidos, das partes e da causa de pedir em ambas as ações. Logo, por força do disposto pelo art. 286, II, do CPC, reconheço a prevenção deste Juízo para processar e julgar a presente ação. Dando prosseguimento, tratam-se os autos de Mandado de Segurança Coletivo que tem como objeto a defesa de interesses da categoria que a Sociedade Impetrante representa. Nesse sentido, percebo que o feito se enquadra aos termos dispostos pelo art. 21 da Lei n.º 12.016/2009, que possibilita a impetração de Mandado de Segurança Coletivo por Associação legalmente constituída há pelo menos 1 ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, desde que pertinentes às suas finalidades, dispensando a autorização especial. Vejamos: Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. Documento assinado digitalmente - TJAM Validação deste em https://projudi.tjam.jus.br/projudi/ - Identificador: PJ57L SLEW5 BEN3R 5XC9Y PROJUDI - Processo: 0051281-43.2025.8.04.1000 - Ref. mov. 8.1 - Assinado digitalmente por Leoney Figliuolo Harraquian 17/03/2025: CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR. Arq: Liminar Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. Feitos tais esclarecimentos, dou prosseguimento ao feito e passo à análise da liminar. Relata a Impetrante que em novembro/2024 encaminhou o Ofício n.º 001/2024 - SOA à Vigilância Sanitária da Prefeitura de Manaus, buscando esclarecimentos sobre a obrigatoriedade da contratação de farmacêuticos e registro no respectivo Conselho de Farmácia para serviços e clínicas oftalmológicas, questionando ainda sobre a implicação de tal medida e se a respectiva contratação e registro seriam condicionantes para expedição de alvará sanitário. E em resposta, aponta que a Autoridade Coatora afirmou que exigirá a obrigatoriedade de profissional farmacêutico devidamente inscrito no Conselho Regional de Farmácia em todas as clínicas oftalmológicas que possuem centro cirúrgico, independentemente do número de leitos. Entende a Autora que a referida postura da administração pública trará aos seus associados ônus elevado, tendo em vista que deverão contratar em suas clínicas e consultórios profissionais, farmacêuticos, para que assim evitem autuações e fiscalizações por parte da autoridade coatora. Alega que a Lei Federal n.º 5.991/73, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, em nenhum momento estabelece a necessidade de contratação de responsável técnico farmacêutico para os consultórios e clínicas médicas de pequeno porte. Ressalta ainda que a atividade básica e finalística das clínicas médicas e hospitais é o exercício da medicina, motivo pelo qual não se pode considerar o medicamento como insumo essencial ao desenvolvimento de suas atividades. Ademais, salienta a responsabilidade do médico assistente quanto a prescrição medicamentosa, a qual jamais deverá ser transferida para outro profissional. Da análise ao conteúdo probatório, especialmente aos documentos anexos ao ID 1.5, verifico que em resposta ao Ofício SOA n.º 001/2024 encaminhado pela Impetrante à Gerência de Vigilância de Serviços - Visa Manaus, a autoridade coatora informou que “a contratação de farmacêuticos com registro no respectivo Conselho de Farmácia torna-se obrigatório em caso de serviços e clínicas oftálmicas com centro cirúrgico oftálmico principalmente com alta rotatividade, onde operam vários profissionais diferentes dificultando a responsabilização sobre o controle dos fármacos.” Além disso, foi apontado pela Impetrada que tal exigência busca satisfazer a legislação sanitária prevista nas Leis n.º 6.437/77, 5.991/73, RDC 63/2011, Portaria n.º 344/1998 e RDC 2/2010. Pois bem. A concessão de liminar em Mandado de Segurança está condicionada ao preenchimento de alguns requisitos objetivamente delineados no art. 7º, III da Lei nº 12.016/2009, a saber: a relevância do fundamento do ato impugnado e o risco de ineficácia da medida, acaso concedida ao final, de forma que a medida initio litis exige a demonstração da necessidade de suspensão do ato combatido, a fim de evitar o perecimento do direito até a concessão definitiva da segurança. Sobre o tema, no julgamento do REsp 1110906/SP, o Superior Tribunal de Justiça fixou o Tema Repetitivo n.º 483 e estabeleceu a ausência de obrigatoriedade quanto a presença de farmacêutico em dispensário de medicamentos, conforme inciso XIV, do art. 4.º, da Lei n.º 5.991/73, mormente não ser possível criar tal obrigação por meio de interpretação sistemática dos arts. 15 e 19 da referida norma legal. Vejamos: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART . 543-C DO CPC. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. DISPENSÁRIO DE MEDICAMENTOS. PRESENÇA DE FARMACÊUTICO . DESNECESSIDADE. ROL TAXATIVO NO ART. 15 DA LEI N. 5 .991/73. OBRIGAÇÃO POR REGULAMENTO. DESBORDO DOS LIMITES LEGAIS. ILEGALIDADE . SÚMULA Documento assinado digitalmente - TJAM Validação deste em https://projudi.tjam.jus.br/projudi/ - Identificador: PJ57L SLEW5 BEN3R 5XC9Y PROJUDI - Processo: 0051281-43.2025.8.04.1000 - Ref. mov. 8.1 - Assinado digitalmente por Leoney Figliuolo Harraquian 17/03/2025: CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR. Arq: Liminar 140 DO EXTINTO TFR. MATÉRIA PACIFICADA NO STJ. 1. Cuida-se de recurso especial representativo da controvérsia, fundado no art . 543-C do Código de Processo Civil sobre a obrigatoriedade, ou não, da presença de farmacêutico responsável em dispensário de medicamentos de hospitais e clínicas públicos, ou privados, por força da Lei n. 5.991/73. 2 . Não é obrigatória a presença de farmacêutico em dispensário de medicamentos, conforme o inciso XIV do art. 4º da Lei n. 5.991/73, pois não é possível criar a postulada obrigação por meio da interpretação sistemática dos arts . 15 e 19 do referido diploma legal. 3. Ademais, se eventual dispositivo regulamentar, tal como o Decreto n. 793, de 5 de abril de 1993 (que alterou o Decreto n . 74.170, de 10 de junho de 1974), fixar tal obrigação ultrapassará os limites da lei, porquanto desbordará o evidente rol taxativo fixado na Lei n. 5.991/73 . 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não é obrigatória a presença de farmacêutico em dispensário de medicamentos de hospital ou de clínica, prestigiando - inclusive - a aplicação da Súmula 140 do extinto Tribunal Federal de Recursos. Precedentes. 5 . O teor da Súmula 140/TFR - e a desobrigação de manter profissional farmacêutico - deve ser entendido a partir da regulamentação existente, pela qual o conceito de dispensário atinge somente "pequena unidade hospitalar ou equivalente" (art. 4º, XV, da Lei n. 5.991/73); atualmente, é considerada como pequena a unidade hospitalar com até 50 (cinquenta) leitos, ao teor da regulamentação específica do Ministério da Saúde; os hospitais e equivalentes, com mais de 50 (cinquenta) leitos, realizam a dispensação de medicamentos por meio de farmácias e drogarias e, portanto, são obrigados a manter farmacêutico credenciado pelo Conselho Profissional, como bem indicado no voto-vista do Min . Teori Zavascki, incorporado aos presentes fundamentos. 6. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, combinado com a Resolução STJ 08/2008 . Recurso especial improvido. (STJ - REsp: 1110906 SP 2009/0016194-9, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 23/05/2012, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 07/08/2012 DECTRAB vol. 217 p. 16 RSTJ vol . 227 p. 196) Inclusive, apesar da inovação legislativa, tal entendimento segue firmado pela Corte Superior: ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO. LEI N . 13.021/2014. PRESENÇA DE FARMACÊUTICO EM DISPENSÁRIO DE MEDICAMENTOS. DESNECESSIDADE . PRECEDENTES. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 . OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. I - Na origem, foi ajuizada ação anulatória, em desfavor do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo - CRF/SP, visando à declaração de inexigibilidade da cobrança de anuidades e multa, por descumprimento da obrigação de manter profissional farmacêutico registrado como responsável técnico na instituição de ensino superior de medicina veterinária, em razão de dispensário situado em seu Núcleo Hospitalar Veterinário. II - O pedido foi julgado procedente, em sentença mantida pelo Tribunal de origem . III - Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional, uma vez que o acórdão recorrido lastreou-se em fundamentos suficientes, não havendo necessidade de que sejam abordados todos os tópicos que a parte recorrente julga importante. A alegação de omissão consistiu, pois, em mero descontentamento com as conclusões a que chegou o Tribunal de origem. IV Conforme jurisprudência firmada por este Superior Tribunal de Justiça, mesmo com a inovação trazida pela Lei n. 13 .021/2014, é desnecessária a presença de farmacêutico em dispensário de medicamentos em pequena unidade hospitalar. Apesar da inovação legislativa, não foi superada a tese firmada no REsp 1.110.906/SP (Tema n . 483/STJ). V - Precedentes citados: AgInt no AREsp 1953585/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/4/2022, DJe 19/4/2022; AgInt no AREsp 1.643 .662/SP, Rel. Ministro Manoel Erhardt - Desembargador Convocado do TRF da 5ª Região, Primeira Turma, DJe 7/5/2021; AgInt no REsp 1.708.289/PE, Rel . Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 12.6.2019; AgInt no REsp 1697211/RS, Rel . Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/3/2018, DJe 03/4/2018. VI Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial. (STJ - AREsp: 1985200 SP 2021/0295410-0, Data de Julgamento: 20/09/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2022) Nesse espeque, ainda que em sede de cognição sumária, entendo que o ato administrativo ora impugnado mostra-se em completa dissonância ao entendimento há muito fixado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, razão pela qual resta demonstrado o fumus boni iuris sobre a pretensão autoral e, consequentemente, o preenchimento dos requisitos legais necessários à concessão da medida pleiteada. Documento assinado digitalmente - TJAM Validação deste em https://projudi.tjam.jus.br/projudi/ - Identificador: PJ57L SLEW5 BEN3R 5XC9Y Com tais considerações, CONCEDO a liminar pleiteada para SUSPENDER os efeitos do ato PROJUDI - Processo: 0051281-43.2025.8.04.1000 - Ref. mov. 8.1 - Assinado digitalmente por Leoney Figliuolo Harraquian 17/03/2025: CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR. Arq: Liminar administrativo ora impugnado, referente à exigência da contratação de profissional farmacêutico devidamente inscrito no Conselho Regional de Farmácia em todas as clínicas oftalmológicas que possuam centro cirúrgico, independentemente do número de leitos. Ainda, DETERMINO à Autoridade Coatora que se abstenha de promover qualquer autuação aos associados da Impetrante em decorrência da exigência supracitada, ora suspensa. Tudo sob pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 em caso de descumprimento, no limite de até 20 dias/multa. Advirto a impetrante que a expedição do(s) mandado(s) fica condicionada ao recolhimento das custas do oficial de justiça. INTIME-SE a autoridade coatora para dar cumprimento à decisão, e, na sequência, NOTIFIQUE-A para prestar informações, no prazo legal, imediatamente. Dê-se ciência da impetração do presente writ ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada (art. 7°, II, da Lei 12.016/09). Após, dê-se vista ao Ministério Público para que se manifeste sobre o pedido, retornando os autos conclusos para sentença. Intime-se. Cumpra-se. Manaus, datado e assinado digitalmente. LEONEY FIGLIUOLO HARRAQUIAN Juiz de Direito .